Manifestantes do 8/1 não tinham meios para golpe, afirma Fux

Argumentação consta em processos na 1ª Turma; ministro diz ser ‘absurdo imaginar’ civis desarmados abolirem o Estado de Direito

Ao analisar quatro casos do 8 de janeiro, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), afastou a tese de que os manifestantes tenham tentado promover um golpe de Estado. Em maio, o juiz do STF havia pedido vista (mais tempo) das ações.

Em voto divergente na 1ª Turma do STF, o magistrado afirmou que as condutas descritas pela Procuradoria-Geral da República não configuram ameaça real à democracia, por carecerem de organização, meios materiais e coordenação.

De acordo com o ministro, os tipos penais de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito exigem capacidade efetiva de tomada de poder, o que não se aplica aos eventos investigados.

“Não é razoável imaginar que manifestantes desarmados, recolhendo recursos entre si para viajar em ônibus fretado, teriam articulação, fôlego financeiro, treinamento e capacidade bélica suficientes para organizar um golpe de Estado ou abolir violentamente o Estado Democrático de Direito”, escreveu Fux. “Cogitar de algo tão absurdo seria menosprezar as instituições brasileiras, esgarçar os limites semânticos da lei penal e descartar o princípio da lesividade.”

Embora o magistrado tenha se manifestado dessa forma, a 1ª Turma do STF já tem maioria para condenar a 14 anos de prisão os réus:

  • João Martinho de Oliveira, microempresário;
  • Cristiane Angélica Dumont Araújo, 59, balconista;
  • Lucimário Benedito de Camargo Gouveia, 59, autônomo; e
  • Roberto Rosendo, autônomo.

A sessão, retomada há quatro dias, acaba em 17 de outubro, às 23h59.

Luiz Fux faz interpretação restrita da lei penal

Nos votos, Fux argumentou que a interpretação ampliada dos crimes previstos nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal — que tratam de ataques ao Estado Democrático de Direito — viola o princípio da legalidade. Para o ministro do STF, esses trechos só se aplicam quando há risco concreto de subversão das instituições, e não em manifestações desorganizadas, “turbas esparsas” ou atos isolados.

O magistrado destacou que, para configurar o delito de golpe, seria necessário “um mínimo grau de organização e coordenação”, com “recursos materiais e capacidade estratégica” de substituir o governo constituído. Ele classificou como incompatível com a realidade brasileira a ideia de que civis comuns, “sem treinamento militar e empunhando bandeiras”, pudessem depor as autoridades legitimamente eleitas.

Condenações residuais

Fux concluiu que não há elementos suficientes para sustentar as acusações de golpe, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e associação criminosa armada. No entanto, reconheceu a prática de danos ao patrimônio público e de deterioração de bens tombados, previstos no artigo 163 do Código Penal e no artigo 62 da Lei 9.605/1998.

O ministro fixou penas de um ano e seis meses de prisão e 50 dias-multa a três réus — João Martinho de Oliveira, Lucimário Benedito de Camargo Gouveia e Roberto Rosendo — e absolveu Cristiane Angélica Dumont Araújo de todas as acusações.

Crítica à ampliação do punitivismo

Fux também advertiu que a precipitação em contextos de comoção nacional pode gerar injustiças. Para ele, o Judiciário deve agir com prudência e serenidade, revisitando decisões quando o tempo revela excessos.

“A sabedoria, alertava Felix Frankfurter, não deve ser rejeitada simplesmente porque chega tarde”, escreveu o ministro.

No passado recente, Fux se alinhou ao relator dos processos, Alexandre de Moraes, em condenações do 8 de janeiro. Contudo, passou a divergir do colega, sobretudo ao analisar a ação de Débora dos Santos, a “presa do batom”.

Os quatro votos a respeito dos processos analisados contêm reflexões de Fux: “O tempo — esse árbitro silencioso e implacável — tem o dom de dissipar as brumas da paixão, revelar os contornos mais nítidos da verdade e expor os pontos que, conquanto movidos pelas melhores intenções, redundaram em injustiça”.

Crédito Revista Oeste

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