Moraes intima apenas testemunhas de acusação nos processos do 8 de janeiro
A medida obriga os advogados dos réus a arcarem com a convocação de depoentes para defesa
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), adotou como prática nos casos relacionados aos atos do 8 de janeiro a intimação apenas das testemunhas de acusação. Isso impõe às defesas a responsabilidade de levar suas testemunhas às audiências no tribunal.
Essa medida tem gerado preocupação entre os advogados dos acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de envolvimento em uma suposta tentativa de golpe de Estado depois da eleição de Lula em 2022.
Na última sexta-feira, 11, o STF abriu a ação penal contra o núcleo central da suposta trama golpista, diante da publicação do acórdão da Primeira Turma que aceitou a denúncia da PGR. Entre os réus estão o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras sete pessoas.
🚨VEJA – Alexandre de Moraes diz que quem comemorar o dia 08 de Janeiro estará cometendo um “crime”
“Qualquer pessoa que pretenda comemorar dia 08, está praticando crime, porque está comemorando tentativa de golpe.” pic.twitter.com/IMd95lejQr
A abertura da ação marca o início da fase de instrução processual, que inclui o depoimento de testemunhas tanto da acusação quanto da defesa. Segundo relatos ao jornal Folha de S.Paulo, cinco advogados afirmaram que a falta de intimação oficial pode inviabilizar depoimentos fundamentais para os acusados.
Três ministros do STF, que falaram sob condição de anonimato, afirmaram à Folha que, embora o procedimento não seja o mais comum, ”é um antídoto válido contra as defesas que tentam arrastar o processo por longos períodos”.
Moraes faz tratamento desigual, diz defensor da União
A Defensoria Pública da União (DPU) questionou o método adotado por Moraes em um processo de uma ré pelos atos do 8 de janeiro e pediu mudança no procedimento.
“Tem-se, de fato, um tratamento desigual entre acusação e defesa, uma vez que a exigência de apresentação de testemunhas vem pesando sobre as defesas em geral, mesmo quando indicam servidores públicos para serem inquiridos”, disse o defensor Gustavo Zortéa da Silva ao Supremo.
O ministro, porém, negou o pedido. Segundo Moraes, “as testemunhas arroladas deverão ser apresentadas pela defesa em audiência, independentemente de intimação”.
Essa regra está descrita nas decisões que abrem as ações penais relacionadas ao 8 de janeiro. Moraes determina que as testemunhas da defesa devem comparecer no mesmo dia do depoimento do réu, sem necessidade de intimação, e devem ser ouvidas antes do acusado.
Ele também veta o depoimento de testemunhas meramente abonatórias. Os depoimentos delas “deverão ser substituídos por declarações escritas, até a data da audiência de instrução”, acrescenta o ministro.
As testemunhas abonatórias se restringem a atestar a boa conduta, reputação e idoneidade moral do réu. Elas não falam sobre os fatos relacionados à acusação, mas sim sobre o caráter do acusado, com o objetivo de influenciar positivamente a decisão do juiz, especialmente na dosimetria da pena.
O plenário do STF já debateu o tema no ano passado e negou o pedido de nulidade do processo por falta de intimação das testemunhas de defesa, com base em jurisprudência da própria Corte.
Em nota oficial, o STF diz que “há previsão legal para que a parte intime a testemunha sem necessidade de intimação judicial” no artigo 455 do Código de Processo Civil. A Primeira Turma da Corte confirmou por unanimidade a validade desse procedimento no processo penal.
Processo contra deputado intimou 8 testemunhas de defesa para deputado
Apesar dessa postura nos processos relacionados ao 8 de janeiro, Moraes autorizou recentemente a intimação de testemunhas em outra ação penal, sem ligação com os atos na Praça dos Três Poderes. Trata-se do processo contra o deputado João Carlos Bacelar (PL-BA), acusado de peculato.
Nesse caso, o ministro disse no processo que a defesa do parlamentar deveria justificar pedido de intimação de testemunhas para ter o direito garantido. A defesa de Bacelar apresentou uma lista de sete testemunhas, e Moraes determinou a intimação, em caráter de urgência, das testemunhas nominadas, para que comparecessem à audiência por videoconferência.
As defesas da maioria dos réus do 8 de janeiro já apresentaram listas de testemunhas ao STF. Por exemplo, Sebastião Coelho, advogado do ex-assessor da Presidência Filipe Martins, listou 29 testemunhas, que incluem o próprio Alexandre de Moraes e seu ex-assistente no TSE, Eduardo Tagliaferro.
Jeffrey Chiquini, advogado do tenente-coronel Rodrigo de Azevedo, incluiu o presidente Lula e o ministro Flávio Dino na lista de testemunhas. Já a defesa de Marcelo Camara listou os delegados da Polícia Federal responsáveis pela investigação.
A PGR, por sua vez, indicou seis testemunhas para todos os acusados: o ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes, o ex-chefe da Aeronáutica Carlos Baptista Junior, Éder Balbino (empresário que colaborou com relatório do PL contra as urnas), o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e os ex-integrantes do Ministério da Justiça e da inteligência da PRF Clebson Vieira e Adiel Pereira Alcântara.
O Código de Processo Penal, em seu artigo 401, estabelece que cada parte pode indicar até oito testemunhas. Contudo, esse número pode ser ampliado pelo juiz, a depender da complexidade do caso e do número de réus e crimes investigados.