Motoko Shimada recorda com carinho quando uma colega de escola pública na cidade de Nara, no oeste do Japão — Sanae Takaichi — mostrou os primeiros sinais da liderança que a colocariam no caminho para se tornar a primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra do país.
Foi pouco antes de um importante exame de admissão no ensino médio, e Shimada havia esquecido o almoço, o que aumentava ainda mais o nervosismo.
“Vamos dividir o meu”, gesticulou a jovem Takaichi. Outra colega, ao ouvir a oferta, também se aproximou. “Graças a isso, passei no exame. Sou realmente grata”, lembrou Shimada.
A anedota é uma das várias compartilhadas por amigos e apoiadores de Takaichi em sua cidade natal, que mostram um lado mais brando da conservadora linha-dura que tem como heroína Margaret Thatcher — figura divisiva da política britânica conhecida como “Dama de Ferro”.
A escolha de Takaichi, de 64 anos, para liderar o governista Partido Liberal Democrata despertou temores de opositores que acham que suas visões nacionalistas e tradicionais possam irritar países vizinhos, afastar minorias e travar reformas sociais.
Ela foi escolhida para revitalizar um partido que perdeu o controle das duas casas do Parlamento nas últimas eleições, com eleitores revoltados com o alto custo de vida e atraídos pela oposição, que prometia grandes estímulos e controle sobre estrangeiros.
Como o partido segue sendo o maior, espera-se que Takaichi obtenha aprovação parlamentar para assumir o cargo de premiê ainda neste mês.
Seu ex-cabeleireiro, Yukitoshi Arai, acredita que ela está bem preparada para resolver os problemas do Japão — e até o penteado, que ele apelidou de “Corte Sanae”, reflete sua atenção às pessoas.
“É um corte elegante, afiado e estiloso. As laterais são longas, mas ela as coloca propositalmente atrás das orelhas para mostrar que ouve atentamente os outros”, disse Arai, que corta o cabelo de Takaichi há cerca de 30 anos.
Diferente de Thatcher — conhecida por suas políticas de austeridade — Takaichi prometeu ajudar as famílias com cortes de impostos e gastos públicos, o que abalou a confiança dos investidores na quarta maior economia do mundo.
“Para os japoneses, o problema central é a economia. Há um forte desejo por políticas sólidas que tornem a vida cotidiana mais acessível e confortável, porque tudo está muito caro agora”, disse Arai.
Nacionalista com visões socialmente conservadoras
No escritório eleitoral de Takaichi em Nara, onde um grande amontoado de flores de congratulação bloqueava parcialmente a entrada, sua amiga de escola Shimada afirmou que a criação modesta de Takaichi lhe deu um forte senso de disciplina e trabalho.
Ao contrário dos dois principais adversários homens derrotados na disputa de sábado, oriundos de famílias políticas influentes, a mãe de Takaichi era policial local e o pai trabalhava em uma montadora de automóveis.
Seu entorno na antiga cidade de Nara — onde templos dominam o horizonte e cervos sagrados vagam pelo parque — também moldou seus valores tradicionais e orgulho nacionalista, contou Shimada.
“Sou como a (Takaichi) também — crescemos com esse tipo de sentimento e orgulho. Acredito que isso é a base de quem ela é”, disse.
Esse apelo conservador pode ajudar a conter o avanço do Sanseito, partido “Japão em Primeiro Lugar” e anti-imigração que entrou para o mainstream político nas eleições de julho.
Durante sua campanha, Takaichi prometeu reprimir visitantes e imigrantes que desrespeitam as regras — cujo número no país atingiu recordes nos últimos anos — e criticou turistas que chutam os cervos sagrados de Nara.