O STF retomou nesta quinta-feira (5/6) o julgamento que pode exigir, sem a necessidade de decisão judicial, remoção de conteúdo das redes
O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou, nesta quinta-feira (5/6) pela manutenção das decisões judiciais para que posts em plataformas possam ser removidos. Em longa explanação de defesa à liberdade de expressão e à autorregulação, Mendonça divergiu de Barroso, Fux e Toffoli, e concluiu “pela plena constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet, a Lei nº 12.965/2014”.
Mendonça concluiu o voto às 18h desta quinta. Ele entendeu que “é inconstitucional a remoção ou a suspensão de perfis de usuários, exceto quando comprovadamente falsos”. Para ele, “o particular diretamente responsável pela conduta ofensiva é quem deve ser efetivamente responsabilizado via ação judicial contra si promovida”.
O ministro alertou em seu voto sobre a possibilidade de se esvaziar a força do Poder Judiciário, caso as plataformas tenham o poder de analisar o que está certo ou errado ou o que é crime ou ofensa.
Na sugestão de tese exposta no voto, Mendonça ressaltou que “nos casos em que admitida a remoção de conteúdo sem ordem judicial (por expressa determinação legal ou conforme previsto nos Termos e Condições de Uso das plataformas), é preciso assegurar a observância de protocolos que assegurem um procedimento devido, capaz de garantir a possibilidade do usuário de ter acesso às motivações da decisão que ensejou a exclusão”, afirmou.
O ministro ressaltou, ainda, que deve ser garantido o devido processo legal em caso de exclusão de conteúdo e que ela deve ser feita por humanos, não por robôs.
“Excetuados os casos expressamente autorizados em lei, as plataformas digitais não podem ser responsabilizadas pela ausência de remoção de conteúdo veiculado por terceiro, ainda que posteriormente qualificado como ofensivo pelo Poder Judiciário”, frisou.
O que já aconteceu?
- Já haviam votado no caso o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux. Enquanto Barroso votou pela inconstitucionalidade parcial, somente para o caso de crimes, os outros dois magistrados decidiram pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Com o voto desta quinta, Mendonça diverge dos demais.
- A sessão de quarta-feira (4/6) ficou marcada pela leitura de parte do voto do ministro André Mendonça.
- Antes de Mendonça começar a estruturar seu ponto de vista sobre a regulação das redes, Barroso e Dias Toffoli fizeram um breve pronunciamento sobre a alegação de que o STF estaria realizando censura ao analisar o caso.
- Além dos que votaram anteriormente e de Mendonça, falta, ainda, o voto dos outros sete ministros do STF para concluir o julgamento do caso. São eles: Edson Fachin, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Nunes Marques, Cristiano Zanin e Flávio Dino.
Artigo 19 do Marco Civil da Internet
O Artigo 19 do Marco Civil da Internet explicita que, com o intuito de impedir a censura, as plataformas e provedores de aplicações de internet só podem ser responsabilizados por conteúdos de terceiros se, após ordem judicial, não tomarem as providências para retirar as postagens do ar.
Caso a inconstitucionalidade do artigo 19 seja aprovada no STF, as plataformas terão que se responsabilizar e autorregular o conteúdo publicado pelos usuários, tirando-os do ar previamente, antes de notificação judicial. A medida é alvo de críticas, pois é vista como censura
Apelo e continuidade do julgamento
Ainda no voto, Mendonça, fez um apelo aos Poderes Legislativo e Executivo para que, ao atualizarem a legislação e a elaboração de políticas públicas relacionadas à regulação das redes adotem estratégias centradas no modelo da “autorregulação regulada”, enfocado na imposição de obrigações procedimentais.
Ao final da sessão desta quinta, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, pediu cópia integral do voto lido por Mendonça nas últimas duas sessões e informou que vai organizar uma tabela com as diferentes conclusões sobre o tema.
O ministro não especificou, a princípio, quando o julgamento será retomado. A expectativa é que isso ocorra na próxima quarta-feira (11/6). Barroso explicou que, primeiro, vai organizar a pauta e depois divulgar a data de retomada.
A “tarefa desafiadora” de retirada de conteúdos do ar
Durante o voto, André Mendonça leu relatório do Mercado Livre e citou números de conteúdos retirados do site: “No segundo semestre de 2022, o Mercado Livre realizou a remoção de 3.249.868 anúncios irregulares”. Isso aconteceu em um cenário desafiador. “Tarefa desafiadora ocorre em um universo de 128.582 anúncios criados e/ou alterados por hora, totalizando mais de 500 milhões apenas no segundo semestre de 2022.”
O ministro falou sobre manifestações científicas para falar de liberdade de expressão e censura. Ele usou como exemplo a questão das máscaras cirúrgicas na época da Covid-19. Em um primeiro momento, apenas quem tinha sintomas deveria usá-las. Depois, num segundo momento, a recomendação foi de que todos deveriam usá-las. “Por óbvio, isso só foi possível porque não se censuraram as manifestações acadêmicas daqueles apontaram o equívoco da primeira linha de ação.”
Mendonça mudou de tópico e começou a falar da Eficácia horizontal dos direitos humanos e o papel das empresas na sua proteção e no compliance. “A doutrina elenca o compliance empresarial como hipótese de autorregulação regulada”, prosseguiu. “Nessa forma de regulação, ao regulado é dada a liberdade para elaborar e implementar um plano normativo próprio, por si mesmo concebido, sujeito à posterior e contínua chancela e supervisão estatal.”
Em resumo, o ministro diz que as big techs têm liberdade para se autorregular. E, assim, de acordo com a doutrina citada por Mendonça, o Estado passaria a ocupar posição de supervisor do sistema de integridade desenhado pelo próprio regulado.
Transferência do dever de remoção de conteúdos às plataformas
O ministro passou a falar agora de conteúdos retirados do ar da empresa Meta. Ele leu relatório da empresa e mencionou números de remoção de vídeos de plataformas como YouTube. O Brasil ocupa o 3º lugar na remoção de vídeos, perdendo apenas para Índia e Rússia, disse o ministro, ao citar o documento.
Apesar da grandiosidade dos números brasileiros, para o ministro não é possível que as plataformas, de modo automático, tenham o dever sobre a retirada automática de conteúdos em que há a questão de liberdade de expressão em jogo.
“Não vislumbro como transferir às plataformas, e, por consequência, ao algoritmo, o dever de ponderar – de modo automático e artificial – os valores em disputa, especialmente quando um desses valores é a liberdade de expressão”, afirmou Mendonça.
Em seguida, o ministro conclui que “em última análise, a transferência ao algoritmo da missão de decidir os casos complexos, objeto de dúvida após análise preliminar, culmina por esvaziar a relevância do próprio Poder Judiciário, enquanto legítimo guardião dos direitos fundamentais”.
Voltando à questão da autorregulamentação, o ministro reforçou sua fala. “Vale realçar que a abordagem proposta guarda maior consonância com as tentativas de promover a autorresponsabilidade das pessoas jurídicas, a partir do sancionamento de condutas que lhes possam ser diretamente imputadas”, afirmou.
Na sessão anterior, durante sua fala, Mendonça defendeu a “democracia digital”. Ele afirmou que há o risco de “utilização inadequada de novas tecnologias”, mas ressaltou que “isso não significa, contudo, que se trate de uma ferramenta que seja, em si, prejudicial ao regime democrático de governo”.
Crédito Metrópoles