‘O Congresso pode corrigir os excessos do STF’, afirma jurista

Dircêo Torrecillas Ramos afirma que o Tribunal assumiu funções que não lhe cabem e alerta para violações democráticas

Professor, advogado e vice-presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Dircêo Torrecillas Ramos tem se dedicado ao estudo da separação dos Poderes e dos limites constitucionais do Supremo Tribunal Federal (STF). Em sua avaliação, a Corte passou a atuar fora do que prevê a Constituição e assumiu papéis que cabem à Polícia Federal (PF) e ao Ministério Público.

Torrecillas critica o ativismo judicial e a politização de decisões que, em seu entendimento, deveriam se ater a critérios técnicos. Para ele, a prática de abrir inquéritos de ofício é um exemplo de como o Supremo deixou de lado sua função de guardião da Constituição para se colocar como ator político.

O jurista também aponta que o Congresso Nacional dispõe de instrumentos constitucionais para reagir a excessos da Corte, sem romper o equilíbrio entre os Poderes. Ele lembra que a Constituição prevê mecanismos de freios e contrapesos e que cabe ao Legislativo preservar suas próprias competências diante de invasões do Judiciário.

Na entrevista a seguir, Torrecillas afirma que medidas como censura de contas, bloqueio de bens e prisões arbitrárias ferem a democracia e favorecem determinadas ideologias.

Como o senhor avalia a prática de o Supremo abrir inquéritos de ofício? Existe base constitucional sólida para essa iniciativa?

A Constituição dá essa atribuição à PF em seu artigo 144, §1º, I, II e ao Ministério Público no artigo 129, VII e VIII. O artigo 144 estabelece que a PF destina-se a apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União, exercendo com exclusividade as funções de polícia judiciária. Já o artigo 129 confere ao Ministério Público a função de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial. Verifica-se, portanto, que se trata de competência exclusiva da PF, indelegável. Entretanto, o Regimento Interno do STF permite a abertura de inquérito de ofício. Ocorre que o regimento tem força de lei, mas não hierarquia normativa: deve respeitar a Constituição.

A politização de decisões judiciais tem sido um problema crescente? Como delimitar a fronteira entre interpretação constitucional e ativismo judicial?

O Poder Judiciário deve ser um órgão técnico. Sua legitimidade decorre do Poder Constituinte que o estabeleceu, não do povo que o elege. Deve decidir conforme a lei e a Constituição, diferentemente do Legislativo, que decide politicamente. Consequentemente, um Poder não pode substituir o outro. Quando o Judiciário extrapola suas funções de julgar, enfrentamos o ativismo judicial. Hoje se fala em relativismo, normas abertas, neoconstitucionalismo e neoconsequencialismo para justificar novas interpretações, mas, a meu ver, isso demonstra um ativismo inaceitável, contrário à separação dos Poderes.

Há espaço para o Congresso Nacional reagir a excessos do Judiciário sem romper o equilíbrio entre os Poderes?

Sim. O Congresso possui vários dispositivos para reagir a excessos do Judiciário, sem romper o equilíbrio entre os Poderes. O artigo 49 da Constituição atribui ao Legislativo a competência exclusiva de zelar por sua competência legislativa em face de invasões dos outros Poderes. Já o artigo 52 prevê que o Senado pode processar e julgar ministros do STF por crimes de responsabilidade. A Lei 1.079, de 1950, detalha os crimes de responsabilidade e permite que todo cidadão denuncie ministros ao Senado. Indubitavelmente, o Congresso pode corrigir os excessos do Judiciário dentro da legalidade.

O que explica a expansão do poder do STF? Esse fenômeno tem contribuído para a instabilidade política do país?

Alguns analistas justificam a expansão do poder do STF pela indeterminação do Direito e pela discricionariedade judicial. Mas, na realidade, o que vemos é a ineficiência do Legislativo, que deixou campo aberto ao Judiciário, e o excesso de recursos das minorias que, derrotadas no Congresso, recorrem ao Supremo. O resultado é a invasão de tarefas legislativas. Deputados e senadores aprovam leis e emendas, e 11 ministros decidem o contrário. Essa sobreposição gera instabilidade política e insegurança jurídica.

O senhor acha que o STF viola de alguma forma as normas democráticas?

A Constituição define o Brasil como um Estado Democrático de Direito. Isso exige soberania popular, liberdade e igualdade. Mas tivemos episódios de censura de contas, desmonetização de perfis, bloqueio de bens, prisões em ginásios de esporte sem separação de homens, mulheres e idosos, inquéritos com presidente indicado e não sorteado, flagrantes permanentes artificiais e Constituição fatiada. Muitas dessas medidas favorecem determinada ideologia partidária e, no conjunto, violam normas democráticas.

Crédito Revista Oeste

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