Nesta quarta-feira (19), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, derrubou o sigilo da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid que levou à denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 33 pessoas pela suposta tentativa de golpe de Estado.
Na delação, além da suposta trama golpista, Cid falou sobre os casos das joias sauditas, das alterações feitas em carteiras de vacinação e do que tem sido chamado pela esquerda e por parte da imprensa de “gabinete do ódio”.
Em troca da delação, Cid receberá “perdão judicial ou pena privativa de liberdade não superior a dois anos; restituição de bens e valores pertencentes ao colaborador que efetivamente tiverem sido apreendidos; extensão dos benefícios para pai, esposa e filha maior do colaborador no que for compatível; e ação da Polícia Federal visando garantir a sua segurança e a dos seus familiares.”
Alterações em cartões de vacina
De acordo com Cid, a ordem para adulteração do estado da vacinação da covid-19 no cartão do ex-presidente e da sua filha, Laura Bolsonaro, teria partido do próprio Bolsonaro.
Cid disse também que outras duas pessoas contribuíram com a inserção dos dados falsos. São eles: o ex-assessor de Bolsonaro, Max Guilherme de Moura, e Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão reformado do Exército.
Segundo a delação, os certificados com as alterações teriam sido impressos e entregues em mãos ao ex-presidente.
Segundo o que foi registrado pela PF na delação, Cid disse “QUE o objetivo era obter os cartões vacina para qualquer necessidade; QUE o colaborador imprimiu os certificados de vacina e entregou em mãos para o ex-presidente JAIR BOLSONARO; QUE o CORONEL [Marcelo] CÂMARA [ex-assessor de Bolsonaro] ficou sabendo dos fatos, rasgou os certificados do ex-presidente e sua filha LAURA BOLSONARO e solicitou que o COLABORADOR desfizesse as inserções”.
“QUE diante disso o colaborador solicitou que AILTON excluísse os registros do presidente e da sua filha LAURA BOLSONARO; QUE o Ministro WAGNER, da Controladoria Geral da União, entrou em contato em um momento posterior, afirmando que constava que o presidente tinha se vacinado em São Paulo; QUE o COLABORADOR ficou na dúvida porque a cidade onde foram inseridas a cidade onde foram inseridas as vacinas não era em São Paulo; QUE o presidente nunca havia se vacinado; QUE a inserção de São Paulo não tem relação com o grupo; QUE em nenhum momento solicitaram inserção pelo estado de São Paulo; QUE a conta SOUGOV do presidente havia sido hackeada, mas que ao final de 2021 o COLABORADOR recuperou a conta SOUGOV do presidente para emissão de uma carteira de pesca; QUE o COLABORADOR a partir dessa data passou a administrar a conta do ConecteSUS do ex-presidente”, continua a delação.
“Gabinete do ódio”
Ao falar sobre o que parte da imprensa e a esquerda chamam de “gabinete do ódio”, Mauro Cid disse que não tinha proximidade com os responsáveis pelas mídias sociais do ex-presidente.
Segundo Cid, os responsáveis pelas redes sociais eram subordinados ao vereador e filho do ex-presidente, Carlos Bolsonaro (PL-RJ).
Segundo a PF, Cid disse “QUE de maneira geral, bem superficial, esse gabinete do ódio, basicamente eram três garotos, que eram assessores do ex-presidente JAIR BOLSONARO; QUE os garotos eram o Tercio Arnaud, José Mateus, e Mateus; QUE não sabe o nome completo; QUE eles estavam dentro da estrutura da assessoria do ex-presidente, nomeados formalmente, desde o início do governo, em 2019; QUE acha que dois deles já estavam bem antes de Jair Bolsonaro ser presidente; QUE basicamente eles que ficavam fazendo o acompanhamento das mídias sociais, ligados com o CARLOS BOLSONARO; QUE eles tinham relação direta com o CARLOS BOLSONARO”.
“INDAGADO se havia relação de subordinação entre eles e CARLOS BOLSONARO, respondeu QUE sim; QUE era o Carlos BOLSONARO que ditava o que eles teriam que colocar, falar; QUE basicamente, o que acontecia era que o ex-presidente tomava conta de sua rede social Facebook; QUE CARLOS BOLSONARO tomava conta das outras redes do ex-presidente (lnstagram, o Twitter e os outros); QUE o ex-presidente todo dia de manhã queria postar alguma coisa no Facebook, e às vezes o CARLOS replicava nas outras redes”, continua.
De acordo com Cid, o que os três assessores faziam era “sentir a temperatura das redes sociais” para tentar encaixar matérias que dessem engajamento.
“INDAGADO se eles já faziam contato com os influenciadores para eles replicarem aquilo que eles queriam que se tornasse notícia, responde QUE sim; QUE às vezes eles não encaminhavam notícias, mas sim ideias ou adotar um determinada direção” e “às vezes eles brigavam com o ex-presidente porque o presidente publicava o que eles não queriam; QUE, principalmente, CARLOS BOLSONARO, não queria que as mídias sociais do presidente fossem aquelas mídias enfadonhas”, completou.
Questionado pela PF, Cid negou qualquer ligação do jornalista Allan dos Santos com o grupo que gerenciava as redes sociais de Bolsonaro e disse que pautas como o voto auditável sempre foi uma demanda pública de Bolsonaro.
Contato com hacker
Questionado sobre o contato do ex-presidente Jair Bolsonaro com hackers, Cid disse que o único hacker que esteve com Bolsonaro foi Walter Delgatti. Segundo Cid, a reunião com o hacker foi marcada pela deputada Carla Zambelli (PL-SP).
De acordo com a PF, Cid disse “QUE o presidente deu ordem para DELGATTI ir ao Ministério da Defesa em seu próprio nome; QUE o ex-Presidente questionou DELGATTI sobre qual seria a vulnerabilidade da urna eletrônica; QUE o Presidente enviou DELGATTI ao Ministério da Defesa para que ele explicasse qual seria essa vulnerabilidade; QUE a pessoa que transportou DELGATTI até o Ministério da Defesa foi o Coronel Câmara; QUE acredita que DELGATTI não se encontrou com o Ministro da Defesa; QUE DELGATTI se encontrou com um General, do qual não se lembra o nome; QUE DELGATTI se encontrou com técnicos da Comissão de Transparência Eleitoral; QUE eram técnicos militares do Exército e da FAB; QUE não sabe dizer se houve contratação ou pagamentos para DELGATTI; QUE desconhece informações sobre ‘grampo’ a ser realizado contra o Ministro Alexandre de Moraes e que envolveria DELGATTI, o [ex] deputado Daniel Silveira e o Senador Marcos do Val”.
Joias sauditas
Sobre o caso das joias sauditas, Cid disse “QUE a missão de receber os presentes era da Ajudância de Ordens, conforme Decreto; QUE em seguida, direcionava os presentes ao GABINETE ADJUNTO DE DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA – GADH, para análise e definição de destinação ao acervo público ou privado; QUE o chefe do GADH era o COMANDANTE MARCELO; QUE o presidente JAIR BOLSONARO recebeu um kit de joias em ouro branco e relógio ROLEX quando da viagem oficial em 2019 à Arábia Saudita; QUE o kit foi encaminhado ao GADH, para ser analisado e definido sua destinação se o presente iria para o acervo público ou privado; QUE o GADH definiu que as joias recebidas de presente deveriam ser encaminhadas ao acervo privado do ex-presidente”.
De acordo com Cid, pressionado por conta da condenação judicial provocada por ações da deputada Maria do Rosário (PT-PR), Bolsonaro pediu a um assessor para que fosse feita uma pesquisa de mercado sobre os valores dos presentes anexados ao seu acervo pessoal.
Cid relatou “QUE o melhor valor ofertado [pelo Rolex] foi pela loja PRECISION WATCHES nos Estados Unidos; QUE a negociação foi realizada por e-mail, telefone e posteriormente, presencialmente com a ida do COLABORADOR até a Filadélfia nos Estados Unidos; QUE em relação as demais joias que compunham o denominado kit ouro branco, o Colaborador também realizou pesquisas de preços pela internet no ano de 2022; QUE o ex-presidente da República solicitou que o COLABORADOR realizasse a venda do kit ouro branco e dos relógios ROLEX e PATEK PHILIPPE; QUE apenas o COLABORADOR e o ex-presidente JAIR BOLSONARO sabiam das tratativas das vendas desses Itens; QUE o COLABORADOR viajou juntamente com a comitiva presidencial para os Estados Unidos para cumprimento de agenda no estado da Califórnia e na cidade de Orlando na Flórida; QUE em Orlando o COLABORADOR se desligou da comitiva presidencial e viajou para Pensilvânia no estado da Filadélfia; QUE se dirigiu até a sede da loja PRECISION WATCHES, local em que efetivou a venda dos referidos relógios pelo montante de U$ 68 mil (sessenta e oito mil dólares americanos).”
O pagamento teria sido feito na conta bancária do pai de Cid, o general Mauro Lourena Cid. Segundo afirmou à PF, Cid teria pedido para que o pai emprestasse a conta bancária para receber o dinheiro por temer que a sua fosse bloqueada devido à pouca movimentação.
Ainda, segundo Cid, as demais joias foram vendidas em um centro especializado na cidade de Miami denominado SEYBOLD JEWELRY BUILDING pelo valor de US$ 18 mil;
Cid afirmou “QUE o pagamento foi realizado em espécie sem emissão de nota; QUE não há registro da venda dos referidos bens; QUE em seguida retornou ao Brasil com os valores em espécie; QUE ao retomar ao Brasil entregou os US$ 18 mil ao ex-presidente JAIR BOLSONARO; QUE apenas retirou os custos que teve com passagem aérea e aluguel do veículo; QUE o COLABORADOR ajustou com seu pai, General MAURO CESAR LOURENA CID, que o saque dos US$ 68 mil ocorreria de forma fracionada e entregue à medida que alguém conhecido viajasse dos Estados Unidos ao Brasil; QUE o dinheiro seria entregue sempre em espécie de forma a evitar que circulasse no sistema bancário normal.”
Cid e o coronel Marcelo Câmara deram início a tratativas para recuperar os itens após o TCU mudar o entendimento sobre os presentes
De acordo com Cid, ele e o coronel Marcelo Câmara deram início às tratativas com os compradores para recuperar os itens vendidos, depois que o Tribunal de Contas da União (TCU) mudou o entendimento sobre a posse dos presentes recebidos pelo Presidente da República.
Cid informou que foi avisado pelo capitão do Exército, Osmar Crivelatti, que o advogado Frederick Wassef seria a pessoa responsável por recuperar o relógio Rolex. Cid diz que pegou o relógio com Wassef no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, mas não sabe o valor da recompra.
Cid ainda informou “QUE em relação as demais joias do kit ouro branco, o COLABORADOR repassou a OSMAR CRIVELATTI e MARCELO CÂMARA, de forma genérica, o local onde foi realizada a venda; QUE OSMAR CRIVELATTI e MARCELO CÂMARA não conseguiram localizar a loja na cidade de Miami; QUE diante disso, o COLABORADOR viajou até a cidade de MIAMI nos Estados Unidos para recomprar as joias; QUE embarcou no dia 26/03/2023 e retomou, na terça-feira, dia 28/03/2023 pela manhã; QUE na cidade MIAMI, o COLABORADOR se dirigiu até o centro comercial SEYBOLD JEWERLY BUILDING e recomprou as joias pelo valor de US$ 35 mil”.