Neste verão, a Fundação Bill & Melinda Gates iniciou, de forma discreta, o processo de retirada de sua parceria de longa data com a Arabella Advisors, considerada um dos principais centros da rede de dark money (“dinheiro obscuro”) da esquerda nos Estados Unidos.
A notícia, revelada pelo New York Times, pode soar técnica ou distante, mas tende a causar fortes repercussões no cenário político.
A Fundação Gates não é apenas um “hobby” de bilionário — trata-se da maior fundação privada do mundo. No fim do último ano, seu patrimônio era de US$ 77,2 bilhões. Desde a criação, já desembolsou US$ 102,3 bilhões, sendo US$ 8 bilhões apenas em 2024.
Bill Gates, fundador da Microsoft, utilizou a fundação para promover causas caras às elites progressistas, como a contracepção, o desenvolvimento global e a vacinação. Apesar dessa inclinação, Gates nunca cultivou a imagem de ativista político ostensivo, diferentemente de outros magnatas como o húngaro-americano George Soros, o fundador do eBay Pierre Omidyar ou o suíço Hansjörg Wyss.
A separação da Fundação Gates da Arabella não representa apenas a perda de um fluxo significativo de recursos, mas também de legitimidade e influência, num momento em que a Arabella é alvo de crescente escrutínio por seu papel como engrenagem do ativismo político progressista.
O divórcio Gates–Arabella
A Fundação Gates destinou US$ 450 milhões a entidades ligadas à Arabella nos últimos 16 anos, mas em 24 de junho o diretor-executivo da fundação, Mark Suzman, enviou um memorando interno anunciando a suspensão de novos repasses a organizações com as quais a Arabella trabalha, segundo reportagem de Theodore Schleifer, do New York Times.
Outras organizações sem fins lucrativos também buscam se afastar da Arabella para preservar laços com a Fundação Gates, disseram fontes a Schleifer.
A nota de 24 de junho não menciona política, mas destaca a eliminação de intermediários.
“As equipes estão trabalhando cada vez mais diretamente com parceiros programáticos — organizações profundamente enraizadas nas comunidades que atendemos e estreitamente alinhadas com nossa missão”, diz o texto; “Ao olharmos para o futuro, esta é uma oportunidade de construir relacionamentos mais profundos e duradouros com esses parceiros — e de reforçar o legado que queremos deixar.”
Uma fonte confirmou a Schleifer que a Fundação Gates também tem se afastado de outros intermediários, mas a Arabella tem enfrentado críticas intensas nos últimos anos.
Em 2023, Scott Walter, presidente do Capital Research Center, lançou um livro sobre a Arabella Advisors, destacando como a empresa de capital privado ajuda ONGs progressistas a promover causas como alarmismo climático e aborto. A capa do livro traz a imagem de Bill Gates.
Essa pesquisa serviu de base para meu próprio livro, “The Woketopus: The Dark Money Cabal Manipulating the Federal Government”. Testemunhei no Congresso ao lado de Walter sobre como recursos de contribuintes norte-americanos financiam grupos de esquerda, incluindo ONGs ligadas à Arabella.
O aumento desse escrutínio — aliado às ordens do presidente Donald Trump cortando verbas federais para causas ligadas ao alarmismo climático, às iniciativas de “diversidade, equidade e inclusão” e à ideologia de gênero — pode ter tornado a Arabella tóxica demais para a Fundação Gates. Trump se reuniu com Gates em fevereiro e em agosto, mas a Casa Branca se recusou a comentar se os encontros tiveram impacto na decisão. A fundação não respondeu aos pedidos de comentário do The Daily Signal.
O que é a Arabella?
A Arabella Advisors se apresenta como uma prestadora de serviços que auxilia ONGs em suas missões. Apoia organizações independentes sem fins lucrativos isentas de impostos sob as seções 501(c)(3) e 501(c)(4) do Código Tributário dos EUA, fornecendo suporte operacional e administrativo em áreas como compliance, contabilidade e recursos humanos.
A empresa presta esses serviços a sete entidades conhecidas como as “sete irmãs”: New Venture Fund, Sixteen Thirty Fund, Hopewell Fund, Windward Fund, North Fund, Telescope Fund e Impetus Fund. Entre 2006 e 2023, essas organizações somaram receitas de US$ 9,2 bilhões e despesas de US$ 7,8 bilhões, segundo análise de declarações fiscais feita pelo Capital Research Center.
Algumas dessas entidades atuam ainda como “patrocinadoras fiscais” de outros projetos. Esse arranjo permite que doadores enviem recursos para uma organização ligada à Arabella sem revelar qual iniciativa é efetivamente beneficiada.
A companhia também apoia ONGs com atuação política, como o Sixteen Thirty Fund, registrado como 501(c)(4), que financia comitês de ação política. Desde 2016, esse fundo destinou US$ 97 milhões a super PACs voltados a eleger democratas ou derrotar republicanos, segundo o The New York Times.
De acordo com um estudo interno, a Arabella Advisors contava com 425 funcionários em 2023.
Uma separação conturbada
A Fundação Gates não apenas bloqueou novos repasses a entidades geridas pela Arabella, como também iniciou o processo de “saídas antecipadas” de doações já em andamento, segundo Theodore Schleifer.
Além disso, a Concentric Equity Partners — gestora de private equity que adquiriu a Arabella em 2020 — removeu a empresa de sua página pública de “investimentos” ainda este ano.
“Temos orgulho do trabalho que realizamos e continuamos a realizar com a Fundação Gates e do impacto que ajudamos a apoiar por meio de suas doações ao New Venture Fund”, declarou um porta-voz da Arabella Advisors ao The Daily Signal. “A Arabella Advisors oferece suporte operacional a centenas de clientes filantrópicos comprometidos com mudanças sociais. Não temos doadores, não fazemos repasses e não participamos de atividade política.”
O que isso significa para a rede de ‘dinheiro obscuro’ da esquerda?
Ainda não está claro até que ponto a saída da Fundação Gates afetará a Arabella Advisors.
“Nos próximos cinco anos, essa decisão provavelmente custará à Arabella algo próximo de US$ 1 bilhão em receitas, pelo menos no lado das organizações sem fins lucrativos”, afirmou Parker Thayer, pesquisador do Capital Research Center, em um episódio recente de podcast. Ele observou que a maior parte das contribuições da Fundação Gates para a rede da Arabella era “não política” e previu que a empresa sobreviverá ao impacto.
Como destaquei em meu livro, as ONGs clientes da Arabella contribuíram para muitos dos grupos ativistas que integraram e assessoraram a administração Biden.
O New Venture Fund, por exemplo, repassou:
- US$ 20 mil em 2022 ao Southern Poverty Law Center, que pressionou por uma postura mais dura contra conservadores em órgãos federais de segurança durante o governo Biden.
- US$ 50 mil em 2018 à Human Rights Campaign, que defendeu a pauta de identidade de gênero junto ao governo.
- US$ 800 mil entre 2010 e 2016 à National Wildlife Federation, que promoveu políticas climáticas mais rigorosas.
- US$ 2,97 milhões entre 2012 e 2021 ao Center for American Progress, que advogou por fronteiras abertas e políticas ambientais agressivas.
- US$ 120 mil entre 2014 e 2017 à Demos, que apoiou uma maior centralização federal no processo eleitoral.
Já o Sixteen Thirty Fund destinou:
- US$ 3,6 milhões ao Sierra Club entre 2014 e 2022, para campanhas ambientais,
- e US$ 300 mil ao Center for American Progress entre 2014 e 2021.
A saída da Fundação Gates pode não afetar diretamente esses repasses ou outras formas de ativismo político, mas representa um duro golpe na estrutura que a Arabella fornece — e que, por consequência, deve enfraquecer a rede de “dinheiro obscuro” da esquerda como um todo.
Tyler O’Neil é editor sênior do The Daily Signal e autor de dois livros: “Making Hate Pay: The Corruption of the Southern Poverty Law Center” e “The Woketopus: The Dark Money Cabal Manipulating the Federal Government”.