Pressionado, Lula cria “emenda de Natal” para aprovar o pacote de gastos

Foto: EFE/André Borges

O racha dentro da base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso Nacional fez com que líderes do governo acionassem os partidos aliados para prometer uma “emenda de Natal” em troca dos votos para aprovar ainda neste ano o pacote fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A Câmara deve concluir a votação das medidas ainda nesta quinta-feira (19) e o Senado na sexta (20). 

Parlamentares de diversos partidos ouvidos pela Gazeta do Povo admitiram reservadamente que a promessa feita pelo governo era de pagamento de R$ 5 milhões em emendas extras – também chamada de “emenda panetone” – para os deputados e de até R$ 12 milhões para os senadores. Aos líderes de bancada, o Palácio do Planalto sinalizou a liberação de até R$ 50 milhões desses recursos.  

As emendas orçamentárias são um dos principais instrumentos de poder no cenário político atual. Por meio delas, parlamentares disputam com o Executivo a capacidade de determinar a destinação do Orçamento da União. Elas são usadas por deputados e senadores para mandar recursos para suas bases eleitorais. 

A promessa de emendas em troca de votos no Congresso acontece em meio ao desgaste do governo e a desvalorização histórica do real frente ao dólar, que bateu R$ 6,30 na quarta-feira (18), diante das incertezas sobre o pacote fiscal. Nesta quinta (19), a cotação fechou em R$ 6,12.

Questionado sobre a liberação dos recursos extras, o ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, apenas confirmou que o pagamento das emendas “melhorou o clima” com o Legislativo. 

“À medida que você vai liberando os recursos, o parlamentar fica com mais tempo livre para dedicar a sua matéria, fazer sugestões de aprimoramento como foi feito. Sempre houve um compromisso do Congresso Nacional em fazer de tudo, um trabalho intenso, para votar [o pacote fiscal] ainda neste ano”, disse Padilha. 

A reportagem questionou a Secretaria de Relações Institucionais sobre qual seria o procedimento para o pagamento das emendas extras prometidas aos deputados e senadores, mas a pasta comandada por Padilha não respondeu. Segundo os parlamentares, a promessa feita pelo governo envolve recursos do orçamento discricionário do Ministério da Saúde para o ano que vem.  

A expectativa é de que os deputados e senadores que votarem com o governo terão direito a indicar o valor aos seus redutos eleitorais. “Todo mundo com o bolso cheio de emenda para irrigar suas bases, enquanto estão tirando do mais pobre, não estão mexendo em supersalário. Quem quiser que suje a mão com isso. Eu não vou fazer parte disso”, disse a deputada Adriana Ventura (SP), líder da bancada do Novo na Câmara. 

Congresso desidrata pacote de Haddad mesmo com emenda de Natal

Apesar da promessa de liberação da “emenda de Natal” aos senadores, a Câmara modificou diversos pontos do pacote fiscal apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O conjunto de medidas envolve um Projeto de Lei Complementar (PLP), uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e um projeto de lei. O texto que trata sobre mudanças na carreira dos integrantes das Forças Armadas só será analisado em 2025. 

Um dos pontos que foram modificados pelos deputados tratava justamente sobre a possibilidade de o governo bloquear o pagamento das emendas parlamentares como forma de cumprir os limites do arcabouço fiscal. Segundo o texto aprovado na Câmara, o bloqueio desses recursos será de até 15% e valerá apenas para as verbas não impositivas.  

Dessa forma, caso seja necessário o bloqueio de despesas por conta de alta de gastos obrigatórios, isso não vai atingir emendas individuais dos parlamentares e de bancadas estaduais. Já no caso da PEC, o relator, Moses Rodrigues (União Brasil-CE), retirou o trecho que previa que uma lei complementar tratasse das verbas que podem ficar fora do teto salarial de servidores públicos, hoje de R$ 44 mil mensais. 

Agora, essa regulamentação poderá ser feita por meio de lei ordinária, que requer um quórum mais baixo para ser flexibilizada. Outro trecho incluído pelo deputado diz ainda, na prática, que enquanto a regra não for aprovada, permanece tudo como está hoje. 

“No início, a proposta era acabar com o penduricalho, com o supersalário, e disso eu sou a favor. Mas a PEC que estão querendo votar não acaba mais com o supersalário, não acaba com o penduricalho, acaba com o pobre. Ela dificulta a recuperação do salário mínimo, ela acaba com o abono salarial de quem ganha dois salários mínimos”, disse o deputado Domingos Sávio (SC), vice-líder do PL na Câmara. 

O relator da PEC também reduziu de 20% para 10% o percentual da complementação da União ao Fundo da Educação Básica (Fundeb) que poderá ser usado em ações para criar e manter matrículas em tempo integral. Inicialmente, o governo calculava que a proposta original renderia uma economia de R$ 10,3 bilhões entre 2025 e 2026, e de R$ 42,3 bilhões até 2030. 

Apesar das mudanças feitas ao pacote fiscal, o ministro Alexandre Padilha negou que haja uma desidratação das medidas. “Não tem nenhuma alteração nele que significa desidratação do pacote, o que tem é aquilo que o Congresso Nacional tem sempre a liberdade de fazer, que é aprimorar dentro dos parâmetros”, minimizou.

Lula já havia liberado quase R$ 12 bilhões para amenizar a crise com o Congresso 

Antes de prometer a “emenda de Natal”, o governo Lula já havia liberado aproximadamente R$ 12 bilhões em recursos aos parlamentares como forma de melhorar o clima dentro do Congresso. Como mostrou a Gazeta do Povo, entre 9 e 13 dezembro, R$ 7,37 bilhões foram pagos aos deputados de partidos como PL, União Brasil, PSD, PP, MDB e o PT. 

Esse montante estava bloqueado desde agosto e foi liberado após decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), no começo de dezembro. Já no começo desta semana, a Secretaria de Assuntos Jurídicos da Presidência da República (SAJ) deu respaldo jurídico ao pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão, beneficiando as cúpulas da Câmara e do Senado. 

Essa liberação foi pedida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e contou com a adesão de 17 líderes, incluindo o do governo, o deputado José Guimarães (PT-CE). Para a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), os parlamentares foram “irrigados pelas emendas”. 

“Todo mundo muito bem pago, irrigado de emenda parlamentar. Todo mundo dando risada, achando bonitinho. Isso aqui é uma vergonha. Sete bilhões de emenda é uma vergonha. Quatro bilhões num ofício secreto de 17 líderes que, na minha visão, não têm vergonha na cara”, afirmou Ventura. 

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