O relator da Organização das Nações Unidas (ONU) para Promoção da Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de Não Repetição, Bernard Duhaime, associou a suposta “tentativa de golpe” ocorria no dia 8 de janeiro de 2023 à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 2010, considerou que violações de direitos humanos, cometidas por agentes de Estado, eram passíveis de anistia.
Apesar de considerar importante a aplicação da Lei da Anistia (Lei 6.638/79), Duhaime citou pontos da lei que lhe causam preocupação.
“Há vários problemas em relação à compatibilidade da Lei de Anistia com a legislação internacional de direitos humanos. Então, acho que, em 2025, seria importante revisitar esse assunto para garantir que a lei esteja de acordo com a lei internacional de direitos humanos”, disse Duhaime ao conversar com jornalistas, nesta segunda-feira (7), no Rio de Janeiro.
De acordo com o relator da ONU, a restituição dos direitos políticos às pessoas que foram detidas e durante o regime militar foi importante, mas “a decisão de 2010, do Supremo Tribunal Federal, de incluir o perdão a violações de direitos humanos atribuídas a agentes do Estado” livrou militares da punição.
“A ausência de consequências legais para abusos passados reforçou uma cultura de impunidade e estabeleceu condições para repetição, ao permitir que a retórica e a prática autoritária ressurgissem no discurso político como evidência, em janeiro de 2023, de suposta tentativa de golpe”, afirmou o relator.
Duhaime encerrou uma visita ao Brasil nesta segunda após ter se reunido com membros do STF e de partidos da esquerda. O representante da ONU deverá apresentar um parecer sobre a sua passagem pelo Brasil em setembro.
Duhaime disse ainda que continuará acompanhando os desdobramentos dos julgamentos relacionados ao 8/1.
Relator citou “violações e abusos policiais”
Segundo o relator, mesmo depois de 40 anos do fim do regime militar, policiais continuam a cometer abusos e execuções extrajudiciais.
“Durante a minha visita, ouvi testemunhos de variados setores sociais sobre a persistência da violência estatal, nas mãos da polícia e das Forças Armadas. Execuções sumárias, tortura e detenções arbitrárias continuam a permear a sociedade brasileira em índices alarmantes, afetando particularmente povos indígenas, camponeses e pessoas de descendência africana. A responsabilização por tais crimes raramente é feita, o que encoraja e perpetua ainda mais essas práticas”, disse Duhaime.
“A reforma de instituições envolvidas em violações de direitos humanos durante a ditadura é um princípio crucial da transição judicial, que visa a prevenir a recorrência da violência. No entanto, tais processos não foram o foco do processo de transição do Brasil”, continuou.