Voto de Fux no julgamento de Bolsonaro reforça campanha pela anistia e reações dos EUA

O voto divergente do ministro Luiz Fux, no Supremo Tribunal Federal (STF), não só destoou do placar de quatro a um que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a 27 anos de prisão. Ele também pôs em dúvida a legalidade do julgamento do núcleo principal do suposto golpe de Estado na Primeira Turma, encerrado quinta-feira (11). Nessa toada, abriram-se brechas para recursos da defesa, a articulação pela anistia no Congresso se fortaleceu e reações da Casa Branca ganharam respaldo.

Fux criticou diretamente a condução feita pelo relator Alexandre de Moraes, marcada por um tom parcial e político, pela inexistência de provas físicas, pelo cerceamento da defesa diante da “avalanche de dados” oferecida às vésperas das sessões de julgamento e pela prevalência das convicções pessoais de ministros do STF sobre os fatos, as leis e a jurisprudência. Fux ainda condenou as posturas da procurador-geral da República, Paulo Gonet.

A repercussão foi imediata. A defesa de Bolsonaro e aliados acolheram o voto como base para novos recursos ao STF e em cortes do exterior, visando até uma anulação do julgamento. Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apostam que a posição de Fux impulsionará a tese de absolvição política, dará fôlego à direita nas urnas de 2026 e ainda induzirá atos internacionais.

O advogado Rafael Favetti, sócio da consultoria política Fatto, avalia que o impacto imediato do voto de Fux se concentra sobretudo nos círculos mais engajados: de um lado, a esquerda, mobilizada para desqualificá-lo de forma contundente; de outro, a direita, que busca meios para reforçar críticas ao julgamento. “É evidente, contudo, que a manifestação dissonante de Fux alimenta expectativas favoráveis ao ex-presidente Bolsonaro”, diz.

Voto de Fux pode convergir com novo cenário político favorável a Bolsonaro

O voto isolado pela absolvição total de Bolsonaro e de outros cinco réus do núcleo crucial da suposta trama golpista abriu espaço para questionamentos de fundo. Em 420 páginas, lidas ao longo de 13 horas, Fux apontou vários abusos cometidos por Moraes, que já haviam sido classificados como “caça às bruxas” pelo presidente americano Donald Trump e por seu secretário de Estado, Marco Rubio.

Embora derrotado, o gesto de Fux empolgou conservadores por várias razões. Segundo analistas, a longa peça elaborada pelo ministro pode servir a pedidos de revisão ou anulação de penas, a depender da nova correlação de forças políticas que emergir após as eleições de 2026. Com ela, podem avançar mudanças não só na Presidência da República, mas, sobretudo, no perfil do Senado, com eventual maioria de direita. Esses fatores podem influir na composição futura do STF, com ministros menos ideológicos sendo apontados pelo futuro presidente e eventual impeachment de Alexandre de Moraes pelos novos senadores.

O cientista político Ricardo Caldas viu o voto de Fux como “importante contraponto” em favor dos que a Corte tratou como inimigos de instituições democráticas. “Fux legitimou a defesa de todos os réus, dissipando, com o respaldo de um ministro do STF, eventuais receios de se posicionar”, avaliou.

Para ele, essa dissidência abriu espaço para uma contranarrativa legítima, que fortalece, por exemplo, a campanha pela anistia. “Agora há alguém do próprio tribunal afirmando que os questionamentos ao julgamento e ao veredicto não são fruto de delírio ou de extremismo”, disse.

Segundo o cientista político, o gesto também respalda internamente os protestos e reações da Casa Branca e tem potencial para ajudar a dissipar a narrativa do governo de que as ações de Bolsonaro e seu filho Eduardo seriam os responsáveis pelo Brasil ter sofrido sanções.

Oposição intensifica ações pela anistia logo após condenação de Bolsonaro

O veredito da Primeira Turma do STF trouxe marcos inéditos, a começar pela primeira vez que um ex-presidente da República é condenado por tentativa de golpe de Estado e que militares de alta patente são responsabilizados penalmente por um tribunal civil. Mas o julgamento também foi visto como farsa jurídica, montada para perseguir o campo conservador, o que é corroborado por revelações de conluio entre autoridades do Judiciário, reveladas pela chamada Vaza Toga – episódio em que mensagens e documentos vazados mostraram como Moraes dava ordens informais para orientar as investigações, tinha contatos indevidos com a Procuradoria-Geral da República e até praticava fraudes em documentos do processo.

Nesse contexto, parlamentares da oposição reagiram com forte indignação à condenação de Bolsonaro, pela acusação de liderar suposta tentativa de golpe de Estado. O líder da oposição na Câmara, Luciano Zucco (PL-RS), qualificou o julgamento como “suprema perseguição” e meio de matar o ex-presidente, que se encontra com recorrentes problemas de saúde.

A oposição pressiona o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para pautar a anistia. Pressionado pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ele até admite o debate, mas acena até agora com outras prioridades, como a votação da ampliação da isenção de cobrança do Imposto de Renda.

A proposta de anistia da oposição proposta pela direita, que busca apoio do centrão, é de perdão amplo e irrestrito. Até o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, acenou para a “solução política” do legislativo.

Pressões do Planalto e dos EUA definirão futuro de Bolsonaro, diz analista

Para o professor de ciência política Antônio Flávio Testa, Fux manteve postura equidistante ao longo do processo contra Bolsonaro “até proferir aula magna de direito”, com repercussão internacional. “Ele desmontou, com experiência de juiz de carreira, a farsa montada para incriminar réus sem prova, sem conduta individualizada e sem o devido processo legal”, diz.

Testa considera que o voto vencido de Fux teve “gosto de vitória” frente aos quatro da condenação. “Além de desmoralizados, os que se submeteram a Moraes ficaram expostos a punições da Lei Magnitsky”, lembra. A seu ver, a negociação que está em curso no Congresso articulada com Alcolumbre para vencer a oposição e aliados de Bolsonaro e aprovar uma anistia parcial, sem alcançar o ex-presidente, também afronta a Constituição.

O desfecho final, diz o especialista, ocorrerá sob fortes pressões vindas tanto do Palácio do Planalto quanto da Casa Branca, em direções opostas. Dele podem surgir implicações significativas para o cenário político brasileiro. Se a oposição conseguir sucesso em suas estratégias, o efeito a seguir não será só sobre o futuro político de Bolsonaro, mas de toda a direia, além de poder redefinir a atuação do Judiciário.

Se houver trânsito rápido dos recursos, Bolsonaro pode ser preso em regime fechado ainda neste ano, ficando inelegível por oito anos a contar do início da pena. Nesse quadro, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) desponta como herdeiro natural de seu capital político, enquanto o PL tenta consolidar um palanque presidencial com partidos de centro-direita.

Crédito Gazeta do Povo

compartilhe
Facebook
Twitter
LinkedIn
Reddit

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *