Mal venceu as eleições em novembro, Donald Trump já influenciou a economia brasileira. Aliada à falta de preocupação do governo federal com o equilíbrio das contas públicas, a eleição do republicano foi um dos fatores que levou ao disparo do dólar nas últimas semanas de 2024.
A moeda americana acumulou alta de 27% frente ao dólar no ano passado.
Essa combinação de fatores alterou rapidamente as expectativas para a economia brasileira. No início de novembro, antes das eleições americanas e do anúncio do pacote de controle de gastos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o ponto médio (mediana) das expectativas do mercado financeiro para a inflação de 2025 era de 4,03%, segundo o boletim Focus do Banco Central. Na última segunda-feira (13), essa projeção subiu para 5%.A tendência é que possa aumentar mais. O diretor do departamento de pesquisas do Fundo Monetário Internacional (FMI), Pierre-Olivier Gourinchas, alertou nesta sexta (17) sobre a preocupação global com a inflação devido a potenciais novas tensões comerciais e medidas protecionistas.
Trump e o ditador chinês Xi Jinping conversaram no mesmo dia, e apesar do tom positivo divulgado, persistem os riscos de uma nova guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo.Nos últimos dias, Trump e sua equipe sinalizaram a possibilidade de adiar a proibição do TikTok, aplicativo chinês de vídeos, cuja venda ou encerramento é exigido por lei federal americana até domingo. Um dos interessados na compra seria o bilionário Elon Musk, dono da Tesla e da rede social X.
Duas coisas a serem vistas: postura de Trump e reação de Lula
Analistas destacam a importância de diferenciar os discursos de Trump das ações concretas. Paulo Gitz, da XP Investimentos, ressalta que o mundo espera definições claras sobre tarifas, pois essas medidas impactam diretamente a trajetória fiscal dos EUA e, consequentemente, os juros globais.
“Importante, no caso brasileiro, seria avaliar como Trump se comportará e como o governo Lula absorverá eventuais medidas tomadas, já que Trump citou a possibilidade de sobretaxar produtos brasileiros, principalmente produtos agrícolas. É importante manter uma relação amigável e tentar atrair capitais tão necessários ao crescimento do Brasil, evitando hostilizar”, diz o coordenador de economia da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais do Brasil (Apimec Brasil), Álvaro Bandeira.
Cristina Helena de Mello, professora da PUC-SP, observa que a alta do dólar, que superou R$ 6 em novembro, reflete uma resposta do mercado à vitória de Trump.”Então, à medida que Trump for, de fato, realizando o discurso dele, que for implementando essas políticas, eu acredito que o mercado vá reavaliando as suas expectativas. Particularmente, acho que o dólar não volta para um patamar de R$ 5. Eu acredito que ele fica em torno de R$ 6 para cima. O que significa um desafio para o Brasil, porque um dólar alto atrapalha muito a questão do controle da inflação”, afirmou.
Eduardo Grübler, gestor de renda variável da Warren Investimentos, afirma que a manutenção de um dólar mais alto fará com que a população brasileira possa sentir no bolso os efeitos da gestão Trump.
“A gente vê umas taxas de juro mais longas americanas se mantendo bem altas, mais altas do que a gente vinha acompanhando, não só desde a Covid-19, mas nos últimos 20 anos. E por que isso é relevante? Porque aumenta a atratividade do dólar em relação a outras moedas. Ao aumentar a atratividade do dólar, é mais difícil que outras moedas de mercados emergentes como, por exemplo, o real brasileiro, se valorizarem contra o dólar”, disse.
Descontrole fiscal foi decisivo na desvalorização do real
Lívio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e sócio da BRCG Consultoria, destaca que a desvalorização do real é influenciada principalmente por fatores internos, como a política de altos gastos públicos do governo Lula.
O resultado foi um sobreaquecimento da economia que contribuiu para a elevação das expectativas de inflação e à decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) em reforçar a estratégia de aumentar os juros.O pesquisador avalia que, por esta razão, as pressões externas e seus impactos podem ser diluídos, caso se “tome tenência”. “O que me preocupa um pouco nesse debate, como ele está sendo colocado, é que parece que não tem nada que a gente possa fazer. E a gente não controla o mundo, mas a gente pode não se atrapalhar e isso é importante”.
Ribeiro defende que o Banco Central, mesmo sob a liderança de Gabriel Galípolo – indicado pelo presidente Lula -, mantenha uma postura firme no controle da inflação por meio da elevação da taxa de juros.
Brasil precisa criar condições para atrair dólares
Para conter a desvalorização do real, também seria fundamental criar condições para a entrada de capitais estrangeiros. Os dados têm mostrado o contrário. O Banco Central precisou injetar US$ 21,57 bilhões no mercado em dezembro para conter a fuga recorde de dólares, que atingiu US$ 26,41 bilhões, o maior desde o início da série histórica, em 1982.
Eduardo Grübler, da Warren Investimentos, ressalta que a falta de clareza fiscal impede a atração de investidores e de dólares para o país. “Para vir esse capital estrangeiro, a gente realmente precisa ter um horizonte mais claro. O que, infelizmente, a gente não tem sido capaz de demonstrar para o capital internacional”.