ESTADÃO: O diabo à espreita

Leia na íntegra o editorial:

Com Lula enfrentando a maior impopularidade já registrada em seus mandatos e sem ideias novas, resta ao lulopetismo aplicar a máxima de Dilma e ‘fazer o diabo’ para ganhar a eleição

Pesquisa Datafolha divulgada anteontem mostrou uma queda significativa na popularidade do governo do presidente Lula da Silva: 41% dos brasileiros o avaliam negativamente, enquanto apenas 24% o veem de forma positiva. Foram 11 pontos de queda em apenas dois meses, um tombo inédito, segundo o Datafolha, se comparados os três mandatos do petista, confirmando tendência já detectada em janeiro pela Quaest. O declínio é ainda maior justamente entre as pessoas que votaram em Lula: 20 pontos porcentuais. Mas a notícia mais dura para o presidente e o PT é que a queda foi puxada pelos eleitores que até outro dia eram considerados cativos do lulopetismo, isto é, as mulheres, os negros, os nordestinos, os mais pobres e os menos escolarizados.

Tais dados não assombram apenas o lulopetismo. Afinal, trata-se da expressão, em números, de incômodos que se aprofundam em parte significativa do País. A base que elegeu Lula em 2022 está frustrada e descontente. A franja da base, isto é, setores que compunham a chamada frente ampla (liberais sociais, progressistas moderados, empreendedores individuais, eleitores não petistas que votaram nele por rejeitar o bolsonarismo), já demonstra insatisfação há meses. Esses movimentos se dão enquanto se constata que o governo é uma soma de atos e resultados medíocres, de uma equipe ministerial disforme e de qualidade duvidosa e de um comando sem clareza de propósitos.

Importam menos, nesse caso, indicadores oficiais positivos, como emprego em baixa e crescimento do PIB em alta, se tais índices não se traduzem em renda suficiente para enfrentar a carestia, sobretudo dos alimentos. O que importa de verdade é que Lula venceu a eleição prometendo picanha e cerveja a preços módicos e não está entregando. Pior, não aparenta ter a menor ideia do que fazer. Não tem um plano nem ideias novas. Só faz reclamar dos outros: do dólar que subiu, dos juros que não caem, dos empresários que não pagam bons salários.

Exegetas do Palácio do Planalto nem sequer podem argumentar que mudanças em curso trarão benefícios no longo prazo. Seria o caso da agenda climática, de mudanças estruturais na educação ou de avanços reais na saúde. Mas Lula não tem como recorrer a esse argumento, pois pouco ou nada tem a exibir nessas frentes. Com efeito, o governo recorre a culpados externos – as fake news, a especulação do mercado financeiro, Donald Trump, a imprensa. E assim, aos poucos, mais do que um quadro de malaise, a insatisfação parece configurar-se como rejeição de fato, uma inquietação cada vez mais aguda com os rumos da gestão. E o mais grave: a percepção de que não só Lula não vem cumprindo promessas de bem-estar, como não tem a menor ideia do que propor ao País.

O pensamento rupestre do PT faz o terceiro mandato se concentrar não na atualização das ideias e iniciativas de governo para atender a novas demandas da população. O elixir lulopetista segue a prescrição do passado, com a conjugação de programas sociais, benefícios de transferência de renda (atualizados sob a forma do Pé-de-Meia, por exemplo), dirigismo na economia, nenhuma atenção a microrreformas que favoreçam o mundo empreendedor e altíssima atenção à militância esquerdista. O resultado é um nível baixíssimo de avaliação líquida, hoje -17 (o saldo entre os 24% que o avaliam positivamente e os 41% que o veem de forma negativa).

Ainda é cedo para dizer se Lula está diante de um fracasso circunstancial ou definitivo. No início do terceiro ano do seu mandato, Jair Bolsonaro exibia -9 de avaliação líquida e quase venceu em 2022. A situação atual é mais grave, mas ainda assim se trata de Lula, um inquestionável líder popular e um prestidigitador experiente na arte eleitoral. Entretanto, indo a sua popularidade ladeira abaixo, pressionado por resultados imediatos e engolfado pela falta de ideias, Lula pode se sentir tentado a aplicar desde já a famosa máxima de Dilma Rousseff, segundo a qual, em eleição, “a gente faz o diabo”.

É onde mora o perigo. Consta que uma ala do PT já pede uma guinada à esquerda – como se o atual governo, perdulário e estatista, já não estivesse suficientemente lá. Mas é claro que, sendo vermelho o diabo, sempre é possível ir além.

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