Proposta popular para Brasil ter bomba nuclear tramita no Senado

Apresentada em 2020, uma proposta popular, que sugere que o Brasil tenha bomba atômica como forma de “dissuadir interferência estrangeira”

Está tramitando no Senado Federal uma proposta popular, apresentada em 2020, que autoriza o Brasil a construir uma bomba atômica como forma de dissuadir uma eventual “interferência estrangeira” no país. A sugestão é de autoria do cidadão Vito Angelo Duarte Pascaretta, um médico que reside no Paraná, e contou com o apoio de quase 21 mil pessoas em todos os estados do país para ser oficializada. 

No último dia 21, os Estados Unidos lançaram um ataque aéreo contra instalações de enriquecimento de combustível nuclear no Irã por entender que o programa tinha como objetivo produzir armamento nuclear. O presidente Donald Trump disse que as bases foram destruídas e Israel afirmou que o programa nuclear de Teerã regrediu vários anos.

No Brasil, a discussão sobre a bomba atômica atualmente gira em torno de uma ideia legislativa, que é uma proposta de criação, alteração ou revogação de uma lei que pode ser apresentada por qualquer cidadão brasileiro, por meio da plataforma e-Cidadania, do Senado Federal. A proposta precisa obter pelo menos 20 mil apoios em 4 meses e, após esse processo, é encaminhada para a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). 

Se a comissão aprovar a proposta apresentada por Pascaretta, a sugestão passa a ser um projeto de lei e ainda precisa ser aprovado tanto pelo Senado quanto pela Câmara dos Deputados.

Inicialmente, o senador Paulo Paim (PT-RS) havia sido designado relator da sugestão, mas não apresentou um parecer ao longo dos últimos anos. No último mês de abril, o senador Marcos Pontes (PL-SP) assumiu a relatoria. A Gazeta do Povo questionou o parlamentar sobre o seu posicionamento em relação ao tema, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

A reportagem apurou que começa a avançar entre parlamentares a ideia de que a mudança no cenário geopolítico e a atual corrida armamentista global farão o Brasil ter que debater o assunto em algum momento. Mas, por ora, não há mobilização política relevante para fazer o projeto avançar. Desde 1998, o país é signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares.

Esse acordo foi assinado em um contexto mundial em que, após a queda da União Soviética, as potências ocidentais lideradas pelos Estados Unidos aumentaram a pressão internacional contra a proliferação de armas nucleares e diminuíram seus próprios arsenais nucleares.

Mas essa tendência começou a ser revertida recentemente por causa do aumento do arsenal nuclear chinês (Pequim dobrou seu arsenal nos útimos cinco anos e tem hoje cerca de 600 ogivas ativas), do desenvolvimento de mísseis na Coreia do Norte, do avanço do programa nuclear iraniano até o bombardeio do último fim de semana e da invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022. Moscou evitou que a Ucrânia recebesse auxílio de tropas de outros países ao fazer ameaças nucleares.

Os Estados Unidos sob a gestão de Donald Trump vêm dando sinais de que podem não estar dispostos a proteger as 34 nações aliadas com seu arsenal nuclear, como vinham fazendo desde a Segunda Guerra.

Países europeus passaram então a discutir maneiras para não precisar da proteção nuclear americana. Uma das hipóteses levantadas foi permitir que países como Polônia, Suécia ou Alemanha desenvolvam seus próprios arsenais nucleares para conter uma possível agressão da Rússia. Na Ásia, Japão e Coreia do Sul também debatem a hipótese para se protegerem da Rússia, da China e da Coreia do Norte.

Em março deste ano, por exemplo, o presidente da França, Emmanuel Macron, sinalizou que iria discutir com líderes europeus a possibilidade de colocar o arsenal nuclear francês à disposição de aliados como força de dissuasão contra a Rússia. O país comandado por Vladimir Putin invadiu a Ucrânia em 2022 e, desde então, existe um temor por parte dos demais membros do bloco europeu. 

“O futuro da Europa não precisa ser decidido em Washington ou Moscou. E sim, a ameaça volta a vir do Leste e a inocência, por assim dizer, dos últimos 30 anos, desde a queda do Muro de Berlim, acabou agora”, disse o presidente francês na ocasião. 

No Brasil, o assunto não entrou na agenda política principalmente devido à ausência de uma ameaça militar estrangeira direta.

Proposta popular usa vulnerabilidade da Amazônia como argumento

“As Forças Armadas Brasileiras necessitam da bomba nuclear para dissuadir interferência estrangeira em nosso território nacional. A Amazônia Brasileira é nossa!”, diz um dos trechos da proposta popular em tramitação no Senado.

Questionado sobre a motivação para sugestão do tema ao Congresso Nacional, o autor inicial da proposta, Vito Pascaretta, argumenta que a ideia surgiu após Joe Biden, então candidato à Presidência dos Estados Unidos, em 2020, sugerir que Washington poderia impor sanções econômicas ao Brasil se o país não combatesse ao desmatamento na floresta amazônica. Durante seu governo, entre 2021 e 2024, Biden não impôs sanções ao Brasil nem implementou qualquer tipo de retaliação por causa de desmatamento de florestas.

O autor da sugestão ainda defende que as pesquisas nucleares no campo militar poderiam ampliar o desenvolvimento brasileiro. 

“A motivação pontual foi a fala do então candidato Biden de que iria oferecer dinheiro ao Brasil em troca de nos ditar o que fazer com a Amazônia. As maiores ameaças ao Brasil não são militares, mas sim a atuação de ONGs. Porém, havendo um programa nuclear sério, com domínio de todo o ciclo de enriquecimento, muitas amarras que hoje existem ao desenvolvimento do País seriam arrebentadas”, disse Pascaretta à Gazeta do Povo

Durante o governo Biden, os Estados Unidos doaram US$ 50 milhões ao Fundo Amazônia, mas não há indícios concretos que o dinheiro tenha influenciado decisões políticas no Brasil.

“O Brasil, diferentemente do Irã, não possui um inimigo declarado com juras de destruição. Acredito que o dia seguinte ao primeiro teste seria como quando a Índia fez o seu: um pouco de choradeira de ONGs e governos externos, mas nada de impactante a longo prazo”, disse Pascaretta.

“Preferiria que o desenvolvimento desse tipo de armamento fosse feito em conjunto com os países do Cone Sul (Paraguai, Argentina, Uruguai e Chile), e que possuem uma política mais estável e uma retórica menos agressiva ao restante do mundo. Cada país tendo seu arsenal, não haveria corrida armamentista”, completou o autor da sugestão. 

O Brasil hoje é capaz de enriquecer urânio para alimentar as duas usinas nucleares de Angra dos Reis (RJ). Essas usinas usam urânio enriquecido a níveis entre 3% e 5%. O país trabalha também na construção de instalações e tecnologia para produzir combustível para um submarino movido a energia nuclear, mas ainda não está claro se o Brasil conseguirá desenvolver um motor nuclear para a embarcação. Os reatores dessas embarcações podem usar urânio enriquecido a 20% na forma metálica ou a 90% na forma gasosa.

Segundo analistas, mesmo que fosse tecnicamente capaz de desenvolver uma bomba nuclear, o Brasil ainda teria dificuldade para fazer um programa de mísseis capazes de transportar esse armamento. O país não possui capacidade para construir mísseis balísticos, aviões bombardeiros ou submarinos capazes de lançar bombas nucleares.

Brasil não levou adiante projeto militar sobre armamento nuclear 

Oficialmente, os Estados Unidos, a Rússia, o Reino Unido, a França e a China são reconhecidos pelo Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) como Estados que possuem armamento nuclear. Já Índia, Coreia do Norte e Paquistão desenvolveram armas sem o reconhecimento do TNP.

Além disso, acredita-se que Israel seja o único Estado com armas nucleares no Oriente Médio, mas ele não reconhece ter tais armas.

No Brasil, em 1950, chegou-se a elaborar estudos sobre o desenvolvimento de energia nuclear. Mas, segundo a historiadora Ana Maria Ribeiro de Andrade, pesquisadora do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) e autora do livro A Opção Nuclear: 50 Anos Rumo à Autonomia, sempre houve uma pressão  internacional para que o Brasil não tivesse um programa nuclear militar.

“Após o episódio das bombas atômicas no Japão, militares brasileiros, notadamente o almirante Álvaro Alberto, no final de carreira, se empenhou para que o Brasil desenvolvesse essa tecnologia, obtivesse essa tecnologia nuclear”, disse ela.

“Tecnologia nuclear não se vende, não se dá, não se transfere. Principalmente em meados do século XX, quando os Estados Unidos tentavam de toda maneira manter o monopólio da energia nuclear para todos os fins, especialmente os não pacíficos”, explica a historiadora. 

Neste período, as pesquisas eram conduzidas pelo recém-criado Conselho Nacional de Pesquisas, o CNPq. Hoje conhecido como Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Já no período do regime militar, em 1970, o Brasil fechou um acordo com a Alemanha, o que viabilizou a instalação de nove centrais atômicas e todo o ciclo de produção do combustível nuclear em território nacional. 

“Essa palavra bomba não é usada nesses documentos que temos acesso hoje em dia, mas é usado muito o eufemismo de segurança nacional. Sendo desenvolvidos os projetos pelas três Forças: Aeronáutica, Marinha e Exército, durante a ditadura, em decorrência principalmente de um acordo que tinha sido firmado entre o Brasil e a Alemanha. Logo esse acordo foi frustrado, porque na realidade não houve transferência de tecnologia como aventado do ponto de vista otimista de algumas correntes no Brasil”, completou Andrade. 

O desenvolvimento da tecnologia de enriquecimento de urânio no Brasil foi mantido em sigilo por muitos anos, dentro do programa nuclear paralelo da Marinha (não declarado e sem fiscalização internacional). A existência de um programa foi revelada ao mundo apenas na década de 1990, durante o governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello.

Já em 1998 o Brasil aderiu ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares e abandonou sua política de sigilo nuclear por um programa exclusivamente pacífico e sob salvaguardas internacionais. “Sempre existiu muito controle em todas as atividades nucleares do Brasil por parte da Agência Internacional de Energia Atômica. Já no período fora da ditadura, num período de redemocratização que já se atravessava, sem dúvida, não havia nenhum interesse latente para a produção de armas nucleares no Brasil”, explicou a historiadora.

Pesquisa aponta apelo do brasileiro por bomba nuclear no cenário de ameaça ao Brasil 

Divulgada em 2024 pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), uma pesquisa realizada pelo instituto Datafolha mostrou que, 47% dos entrevistados apontaram ser favoráveis ao Brasil criar uma bomba atômica apenas em caso de ameaça de um país estrangeiro. Neste cenário, os pesquisadores descobriram ainda que uma promessa de proteção contra esta possível ameaça por parte dos Estados Unidos bastaria para diminuir o apoio a proliferação nuclear para 27% da população. 

“O que a gente mostra na pesquisa é que só existe uma circunstância na qual o público brasileiro formaria um processo de cisão, um processo de polarização da sociedade brasileira sobre o quesito de o Brasil ter uma bomba atômica, que é se houvesse uma ameaça militar contra o nosso país”, explica Matias Spektor, coordenador da pesquisa e professor da Escola de Relações Internacionais da FGV. 

“Mesmo nessa situação, se os Estados Unidos fizerem uma promessa de proteger o Brasil, essa polarização acaba e volta a se restaurar uma opinião majoritária contra o Brasil adquirir uma bomba nuclear. Ou seja, a mensagem básica, que eu acho que é importante da gente levar em conta, é que não há demanda brasileira por uma bomba atômica, a não ser nesse cenário específico de uma ameaça direta”, completa o pesquisador. 

A pesquisa do Datafolha entrevistou cerca de 2 mil brasileiros. O levantamento foi publicado no Journal of Global Security Studies sob o título de “Public Support for Nuclear Proliferation: Experimental Evidence from Brazil” – Apoio Público à Proliferação Nuclear: Evidência Experimental do Brasil na tradução livre.

Sobre o cenário político atual, o pesquisador da FGV aponta que não há como estabelecer se existe atualmente o mesmo nível de confiança da população brasileira diante do governo de Donald Trump nos Estados Unidos. Desde que o republicano chegou à Casa Branca, líderes dos países da Europa passaram a discutir reformulações em seus sistemas de defesa nuclear. 

“Será que os resultados da nossa pesquisa se mantêm com Trump? Quando ele deixa de fazer uma promessa crível de proteger seus parceiros e aliados, esses parceiros e aliados passam a ter mais interesse na questão nuclear. A gente não testou isso, mas a minha intuição é que, neste caso, parte do público brasileiro acreditaria menos numa promessa americana”, explica Spektor. 

Crédito Gazeta do Povo

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